sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Ciclone épico nos Grandes Lagos versus Ciclone no Prata

Vendavais, tornados, temporais violentos e chuva intensa acompanharam o ciclone de proporções históricas que se formou na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá. O Storm Prediction Center (SPC) do NOAA contabilizou 24 relatos de tornados e 282 de vento com danos em um dos dias de tempo severo mais ativo de 2010 na América do Norte. A dimensão do ciclone era tamanha sobre a América do Norte (foto abaixo) que chegou a lembrar uma das cenas do filme O Dia Depois de Amanhã.

O registro máximo de vento preliminar entre estações meteorológicas na área atingida foi de 130,3 km/h em Butlerville, Ohio, mas é provável que rajadas superiores tenham ocorrido. Parece pouco para um sistema tão profundo quanto 955 hPa no interior do continente e com pressão atmosférica equivalente a de um furacão categoria 3, mas o comportamento do vento em ciclones extratropicais como esse de agora nos Grandes Lagos não é idêntico ao dos ciclones tropicais (furacões e tufões). Os maiores danos se deram em locais atingidos por tornados, mas ocorreram em vários estados por conta da enorme dimensão do sistema. Casas destelhadas, árvores caídas e até caminhões virados em rodovias estiveram entre as conseqüências do vento intenso.
  
O grande marco deste ciclone, que alguns meteorologistas norte-americanos chegaram a qualificar como épico, foi mesmo a queda da pressão atmosférica que atingiu um recorde para todos os Estados Unidos, exceto em casos de furacões ou ciclones sobre o mar na costa Nordeste americana (No´reasters). O ponto de menor pressão barométrica se deu no entardecer da terça-feira, quando o menor registro – ainda não oficializado pelo NOAA – se deu na localidade de Bigfork, estado do Minnesota, com apenas 954,9 hPa às 22:13 UTC (20:13 em Porto Alegre). Em Orr, também no Minesota, o barômetro acusou 956 hPa às 22:34 UTC. Em International Fall, considerada a cidade mais fria da área continental dos Estados Unidos, a pressão baixou também a 956 hPa, o que bateu o recorde anterior de pressão baixa de 971 hPa em 11 de novembro de 1949. Foram os menores valores até hoje registrados no estado do Minnesota que mantém série histórica de dados de 130 anos. O recorde anterior era de 963 hPa em Alberta Lea e em Austin de 10 de novembro de 1998.
  
A tempestade de ontem foi a segunda mais intensa já registrada na história dos Grandes Lagos em termos de pressão baixa, mas a medição de 954,9 hPa foi a menor pressão atmosférica já registrada no interior do continente nos Estados Unidos e de qualquer área exceto as costas do Atlântico, mesmo considerando ciclones tropicais, superando a marca de 958 hPa de Cleveland, Ohio, na chamada Great Ohio Storm de 26 de janeiro de 1978. Por que, então, foi apenas a segunda pressão mais baixa já registrada nos Grandes Lagos. Ocorre que na tempestade de 1978 foi anotado um valor de 950 hPa, mas sobre águas canadenses na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá. Na costa do Pacífico, também sujeita a poderosos ciclones extratropicais, o menor registro é de 962 hPa em Quillayute, estado de Washington, de 1º de dezembro de 1987, mas uma anotação antiga, feita a bordo de um varco na foz do Rio Umpqua, em Oregon, apontou 955 hPa em 9 de janeiro de 1880 no evento conhecido como "Storm King".
  
A menor pressão atmosférica não relacionada a furacões até hoje na área continental dos Estados Unidos é de 952 hPa, marca de Bridgehampton, Nova York (Long Island), no Nor´easter de 1º de março de 1914, segundo o trabalho intitulado "Northeast Snowstorms" da American Meteorological Society, publicado em 2004. A menor pressão não relacionada a furacão em qualquer parte do território americano foi de 927 hPa em Dutch Harbor, Alaska, em 25 de outubro de 1977. Já a menor pressão originada em ciclone tropical foi de 892 hPa no Grande Furacão do Dia do Trabalho de 1935.
O que aconteceu nas últimas horas pode se repetir agora, em menor escala, na América do Sul. Um intenso ciclone extratropical para os padrões de latitudes médias da nossa região deve se formar entre o final da sexta e o sábado junto às costas das províncias argentinas de La Pampa e Buenos Aires, de acordo com o conjunto médio dos modelos analisados pela MetSul Meteorologia. Este sistema deve migrar para Nordeste e atuar, então, na foz do Rio da Prata, onde se intensifica, com deslocamento posterior para Leste sobre alto mar.
Fortes rajadas de vento, ocasionalmente intensas em alguns pontos, devem ser registradas na segunda metade do sábado e principalmente durante o domingo no Sul e no Leste do Rio Grande do Sul, particularmente no Litoral Sul gaúcho, onde não são descartadas rajadas ao redor de 100 km/h na área entre Rio Grande e o Chuí. Os Aparados da Serra e o Planalto Sul Catarinense igualmente devem registrar ventania importante, mas, historicamente, nestas áreas o vento não produz maiores problemas. Todavia, o posicionamento deste sistema sugere que os maiores riscos tendem a e concentrar mais ao Sul. A província de Buenos Aires e principalmente as costas do Uruguai devem ter o vento mais intenso com rajadas que podem passar dos 100 km/h em alguns pontos. O vento médio projetado pelos modelos (em nós) é alto para a noite de sábado para domingo na foz do Rio da Prata, onde Montevidéu deve ter pressão abaixo de 1000 hPa.
A gradual formação deste sistema deve deteriorar e muito as condições atmosféricas na parte central da América do Sul. Já nesta quinta-feira chove em províncias argentinas mais ao Sul, mas a sexta-feira é o dia que mais preocupa. Espera-se uma advecção de ar quente de Norte que vai contribuir para instabilizar a atmosfera. Fortes áreas de tempo severo podem se formar no Centro e principalmente no Norte da Argentina com risco de granizo, chuva intensa e até tornados.
O quadro é especialmente perigoso para locais mais ao Norte argentino, tal como ocorreu na semana passada no tornado de Formosa. No Rio Grande do Sul, a temperatura sobe muito na sexta e o sol aparece, mas durante o dia a nebulosidade aumenta muito e o tempo se instabiliza a partir do Oeste. Da tarde para a noite deve chover com risco de temporais isolados em grande parte do Estado, mas em especial no Oeste, Sul, Centro e Noroeste. Chuva intensa e tempestades com danos localizados não podem ser descartadas no território gaúcho na segunda metade da sexta e no começo do sábado.
À medida que a frente associada ao ciclone avançar neste fim de semana próximo, e o interessante será o eixo vertical de sua orientação aqui no Rio Grande do Sul, condições de tempo severo podem atingir também o Paraguai, o restante do Sul do Brasil e o Centro-Oeste. Este ciclone vai impulsionar uma nova massa de ar frio para o Sul do Brasil e que ingressa especialmente no decorrer do domingo, o que vai resultar em novas madrugadas geladas. Hoje, Urupema, em Santa Catarina, teve 1ºC abaixo de zero, a quinta marca negativa do mês na cidade. Em outubro já são dez dias, um terço do mês, com registro de geada no Planalto Sul Catarinense. Detalhe importante é que a passagem da frente tende a ser muito rápida no Rio Grande do Sul com notável incursão de ar por demais seco no Norte da Argentina, o que já deve permitir a melhora do tempo em parte do Estado ainda no sábado e trará valores de umidade do ar acentuadamente baixos para o território gaúcho no começo da semana.
Autor: Luiz Fernando Nachtigal - blog Metsul Meteorologia

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