sexta-feira, 19 de março de 2010

Dia de São José: e agora José? - A seca de 2010

Inicio o texto com as palavras do saudoso Manoel Correia de Andrade em seu livro A Terra e o Homem do Nordeste:
"[...] preocupando-se com uma possível seca, o sertanejo está sempre às voltas com ‘experiências’ e prognósticos sobre as possibilidades de chuvas nos anos que virão. Para estas ‘experiências’ o dia de Santa Luzia (13 de dezembro) é o mais importante, uma vez que o tomam como ponto de referência para o mês de janeiro do ano seguinte e os dias que se seguem correspondem aos outros meses, (assim o dia 14 é fevereiro, 15 é março, 16 é abril e assim por diante até o dia 24 que corresponde ao mês de dezembro). No dia em que chover, o mês correspondente será de chuva e naquele em que não chover, o mês correspondente será seco.[...] Também são desanimadoras as perspectivas do ano seguinte se, em novembro ou dezembro, não chover no Oeste do Piauí. Isto porque a estação “invernosa” piauiense precede a da porção Oriental do Nordeste./ Também se não chover até o dia de São José, 19 de março, o sertanejo perde totalmente as esperanças e, se é pobre, trata de migrar, se é rico procurar armazenar os alimentos necessários para atravessar a crise. É que, mesmo chovendo após este dia, a estação chuvosa não terá a duração necessária ao desenvolvimento das plantas que semearem.” (p. 38)
Esta passagem do livro mostra a importância do dia de hoje para o Nordestino. Além disso, hoje também é o último dia do verão austral, e na relação Terra-Sol começa o início de trajetória de "migração aparente" do Sol para o Hemisfério Norte, culminaldo a despedida para o nosso Hemisfério, no início do inverno austral (21 de junho).

Já comentei anteriormente em outra postagem que esta data tem uma relação com a climatologia, pois, em anos normais ou chuvosos,a ZCIT já deveria estar mais direcionada para o Hemisfério Sul. O que não vem ocorrendo este ano.

Dois padrões climatológicos tem favorecido a estiagem sobre o Nordeste do Brasil (Figura 1). Notem na Figura abaixo que as chuvas estão abaixo da média histórica em nossa região, ou seja, anomalia negativa de precipitação.

Estamos ainda sobre os efeitos El Niño que ainda teima em se apresentar e modificar a circulação zonal da célula de Walker e gerar subsidência sobre o NEB. No entanto, este ano também temos condições que favorecem a permanência da ZCIT mais ao Norte, porque os Oceano Atlântico Norte também está mais aquecido do que o normal, com isso a Alta pressão do Atlântico Norte não consegue ter força suficiente para impulsionar  a ZCIT para o Sul, modificando também a circulação de Hadley (Figura 2).
Nesta Figura tentei esboçar (com grande dificuldade em desenhar, vocês sabem) como está o comportamento das células Walker (setas pretas), Hadley (setas marrons) e o posicionamento da ZCIT (traços, ou quase traços, verdes). As áreas com tons de cores mais quentes sobre os oceanos indicam anomalias de temperatura da superfície do mar mais quentes que o normal, do contrário, as com tons mais frios. Vocês devem saber que ATSM quente --> baixa pressão; ATSM Fria --> alta pressão

Os modelos de projeções climáticas ainda indicam a permanência do Menino Levado por mais alguns meses, e há a tendência de um rápido resfriamento após julho. Então, a estação chuvosa do semi-árido já estará bem no final, até das chuvas mais esporádicas. De fato, o "inverno" continuará ruim no semi-árido em 2010.

Mas o que esperar para a Zona da Mata e Agreste? Também não espero muitas chuvas. Outro dos aspectos climáticos que favorece a chuva para estas regiões é a dinâmica da Alta Subtropical do Atlântico Sul. Em seu processo de intensificação/desintensificação há um maior aporte de umidade sobre a Z.M e Agreste. Durante o inverno a alta deve (climatologicamente) intensificar, fazendo com que os alísios de sudeste fiquem mais intensos, galguem sobre um oceano mais quente, úmido e condicionalmente instável e tragam umidade para precipitar, sobretudo na porção oriental do Planalto da Borborema.

Pela Figura 3 abaixo, nota-se que até o momento as condições de pressão ao nível do mar são desfavoráveis para este processo termodinâmico, já que as anomalias são negativas, ou seja, a pressão está menor do que a média histórica no Atlântico Sul. Então outra aspecto climatológico está desfavorável para chuva nestas regiões.

Mas tem algum fator favorável? Sim, mas nem de todo muito bom. Como as águas do A.S. estão mais quentes que o normal, devermos ter distúrbios de leste que são responsáveis por grande parte da chuva durante o outono/inverno nestas regiões, só que as condições adjascentes as áreas de gênese destes distúrbios estão (até agora) favorecendo distúrbios lentos e com menor frequência. Isto pode gerar a seguinte condição: - quando a chuva chegar deverá ficar presente por alguns dias com um volume normal a acima do normal, e depois vai embora, e deverá haver um intervalo de tempo acima do normal entre outro distúrbio.

Para a população, é possível que enfrentemos algumas mudanças das condições do tempo em um pequeno intervalo de tempo, ou seja, chuvas intensas durante alguns dias, depois a ocorrência de dias sem chuvas, e os impactos sócio-econômicos que podem gerar, como inundações, deslizamentos de encostas, perdas agrícolas, etc.

Bom, eu não diria que são projeções climáticas, já que ainda está longe para o inverno e agora que estamos chegando no outono, mas são hipóteses que levanto para estarmos atento às tais condições climáticas. Aliás, quem está no litoral já deve ter percebido que os ventos estão fracos este ano (principalmente os pescadores...) e outro sistema responsável por volume considerável de precipitação na região fica comprometido, desta vez, um sista de circulação secundária: a brisa marinha-terreste.

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